O Pacto Sombrio de São Gotardo
A Lenda da Ponte do Diabo
Entre as montanhas nevadas da Suíça, uma ponte ergue-se sobre o abismo — e com ela, uma história feita de fé, medo e um pacto proibido. O nome “Ponte do Diabo” (Teufelsbrücke) aparece em lendas de várias regiões da Europa, mas a do Passo de São Gotardo é a mais famosa e uma das mais antigas e inquietantes, onde a fronteira entre o sagrado e o infernal se torna perigosamente tênue.
🏔️ O Coração dos Alpes
O Passo de São Gotardo (em alemão, Gotthardpass) é uma das passagens mais antigas e estratégicas dos Alpes suíços.
Durante séculos, foi a principal rota entre o norte e o sul da Europa — uma trilha de gelo, rocha e neblina que ligava mercadores, soldados e peregrinos. Mas, no século XIII, essa travessia era mortal: avalanches, rios furiosos e penhascos tornavam o caminho quase impossível.
💬 “Deus pode ter feito as montanhas, mas o Diabo moldou os abismos.” — Provérbio alpino
Foi então que os moradores do vale decidiram erguer uma ponte sobre o desfiladeiro Schöllenen, um corte profundo por onde o rio Reuss ruge como um trovão eterno.
Mas o local era tão hostil que nenhum construtor conseguia encontrar uma forma segura de cruzá-lo.
E foi aí que o mito começou.
😈 O Pacto
Segundo a lenda, após diversas tentativas fracassadas, o mestre construtor — desesperado — gritou para o vazio:
“Se Deus não me ajuda, ao menos o Diabo poderia construir esta ponte!”
Na mesma noite, o Demônio apareceu, cercado por névoa e chamas azuis. Ele ofereceu sua ajuda em troca da alma do primeiro ser que atravessasse a ponte. O construtor, apavorado mas determinado, aceitou o acordo.
Na manhã seguinte, a ponte estava pronta — sólida, perfeita, impossível. Os aldeões aplaudiram a obra, mas o construtor tremia: alguém teria de cruzá-la. Foi então que ele teve uma ideia engenhosa: em vez de um homem, soltou uma cabra para atravessar primeiro.
Furioso com o truque, o Diabo agarrou o animal e o lançou contra as rochas, deixando uma marca que, dizem, ainda pode ser vista até hoje. Enfurecido, tentou destruir a ponte com um enorme bloco de pedra — mas uma mulher idosa, empunhando um crucifixo e fazendo o sinal da cruz, o impediu de completar o ato.
A rocha rolou vale abaixo, e o Diabo desapareceu entre os ventos e a névoa do passo.
🪨 A Rocha do Diabo
A pedra que o Demônio teria lançado — conhecida como Teufelsstein (Pedra do Diabo) — existe de verdade. Ela está exposta até hoje perto da estrada moderna do Passo de São Gotardo, com mais de 200 toneladas de peso.
Durante a construção da rodovia nos anos 1970, as autoridades tentaram removê-la, mas o povo se opôs:
“Mexer na pedra é provocar o próprio Diabo”, diziam.
Assim, devido à enorme resistência popular por medo da “maldição do Diabo”, o Teufelsstein foi movido apenas 120 metros — com cerimônias religiosas, bênçãos de padres e rezas públicas, para “acalmar as forças do mal” e “não despertar o mal adormecido”.
⚒️ Entre o Mito e a História
Historicamente, a Ponte do Diabo de São Gotardo foi realmente construída no século XIII, e reconstruída diversas vezes desde então.
A engenharia da época mal compreendia o desafio de atravessar o desfiladeiro, o que alimentou a crença de que apenas intervenção sobrenatural poderia ter tornado a obra possível.
Os cronistas suíços medievais relatavam a ponte como “obra de um poder não humano”.
E até hoje, viajantes que passam por ali dizem ouvir o som de um animal balindo sob o vento — ou o eco de risadas nas pedras, quando a neblina desce sobre o vale.
A Primeira Ponte (século XIII) — a “Ponte do Diabo” original
- Construída por volta de 1230–1250, sobre o desfiladeiro de Schöllenen, nos Alpes suíços.
- Essa é a ponte associada à lenda do pacto com o Diabo, pois, segundo os registros da época, ninguém conseguia construir uma travessia segura até então.
- Era uma ponte de pedra estreita e íngreme, com apenas uma passagem — praticamente impossível para carros de boi ou carruagens.
- Resistiu por mais de 500 anos, mas sofreu danos estruturais severos ao longo do tempo por causa das enchentes e do desgaste natural do vale.
- Hoje, não resta quase nada da estrutura original, exceto partes das fundações e trilhas que levavam até ela.
A Segunda Ponte (1830)
- Em 1830, uma nova ponte de pedra foi construída no mesmo local da original.
- Essa é a ponte que ainda pode ser vista até hoje, restaurada e preservada como monumento histórico.
- Durante a Segunda Guerra Mundial, foi reforçada, e mais tarde passou por obras de conservação.
- É ela que muitos visitantes chamam de “a Ponte do Diabo de São Gotardo”, embora tecnicamente seja a sucessora da ponte lendária.
A Terceira Ponte (1958)
- Com o aumento do tráfego automobilístico, uma ponte moderna foi construída acima das antigas, feita de concreto armado.
- Essa estrutura é a rota principal da estrada do Passo de São Gotardo, ainda em uso hoje.
- Abaixo dela, é possível avistar tanto a ponte de 1830 quanto as ruínas da primeira.
O que existe hoje no local
Se você visitar o Schöllenen Gorge, perto da vila de Andermatt, na Suíça, verá:
- A ponte de 1830, ainda em pé, com aparência medieval e aberta para pedestres.
- As ruínas da ponte original (visíveis do vale, parcialmente integradas à rocha).
- E, mais abaixo, o Teufelsstein (Pedra do Diabo), uma rocha gigantesca associada à lenda do pacto.
🔥 O Legado do Passo de São Gotardo
Hoje, o Gotthardpass é símbolo da união entre os povos da Suíça — mas também o lembrete de que cada ponte carrega consigo um preço. O local inspirou poetas, pintores e até militares napoleônicos que marcharam sobre suas curvas.
Mas para os supersticiosos, aquele abismo ainda pertence a forças mais antigas do que o homem
💀 “Toda ponte é uma promessa entre dois mundos. E nem sempre sabemos quem está do outro lado.”